SOBRE
Uma forte dimensão tátil percorre as gravuras de Marcio Périgo. Os objetos ou volumes indefinidos de suas estampas parecem surgir da escuridão. Na história da gravura, o artista holandês Rembrandt já havia trabalhado com cenas no limite do visível, mergulhadas na sombra, quase indistinguíveis. Mas, no caso de Périgo, em vez de desafiar a sombra, suas imagens parecem antes formadas graças a ela, devendo seu estofo a uma matéria densa e escura, como se a visão necessitasse mais do escuro que da luz. Longe de se opor à luz, a escuridão é sua gêmea siamesa e condição de existência.
Périgo transita pelas possibilidades de combinação desses dois elementos por ter o domínio de técnicas da gravação em metal - o artista faz uso de água-forte, água-tinta, ponta-seca, maneira-negra -, colocando sua técnica apurada a serviço do rigor compositivo e da investigação da linguagem gráfica. A interpenetração dessas diversas técnicas abre um campo de potencialidades no qual branco e preto abandonam a simplicidade da oposição para ganhar a força das combinações infinitas, resultando muitos pretos e múltiplos brancos, rebatendo-se. Os volumes assim formados esgueiram-se devagar, atraindo o olhar que, em vão, busca abarcá-los por completo.

OBRAS

















Bio
Marcio Donato Périgo conheceu a técnica da gravura em metal em 1972, na Fundação Armando Álvares Penteado - Faap, onde estuda comunicação visual e tem aulas com Evandro Carlos Jardim. Realiza sua primeira exposição individual de desenhos e gravuras no Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand - Masp em 1977. No ano seguinte, termina o curso de graduação na Faap e começa a dar aulas de gravura e desenho. Leciona gravura e desenho de observação na Faculdade de Artes Alcântara Machado - Faam, entre 1982 e 1984. Em 1984, participa das exposições Tórculos - Exposição de Prensas de Gravuristas Contemporâneos, no Espaço de Exposições Eugénie Villen, em São Paulo, e 3rd Mini Print International de Cadaqués, em Barcelona, Espanha. Recebe a Bolsa Vitae de artes, com o projeto Caos Aparente, em 1988, que apresenta exposição individual no Gabinete de Arte Raquel Arnaud, em 1989. Recebe prêmio aquisição no 12º Salão Nacional de Artes Plásticas, no Museu de Arte de Brasília - MAB/DF, em 1991. Em 2001, conclui mestrado no Instituto de Artes da Universidade de Campinas - Unicamp, apresentando 50 gravuras em metal e também o livro de artista Zés. Realiza exposição individual na Estação Pinacoteca em São Paulo, em 2005. É professor da Faculdade de Comunicação e Artes da Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo, e do Instituto de Artes e Centro de Pesquisa em Gravura da Universidade Estadual de Campinas - Unicamp.
INFORMAÇÕES
texto crítico
Críticas
"Se o artista plástico Marcio Périgo, no ano já distante de 1977, era uma promessa que surgia após um tempo sem promessas, como avaliou Geraldo Ferraz, hoje é uma promessa que não cessa de continuamente se cumprir, nessa busca rigorosa de equilíbrio entre criação e execução. Marcio é atualmente um gravador exímio, que procura resgatar a imagem corrompida e desgastada. Entre a luz alva e a sombra, ele cria um mundo luminoso de minúcias e efeitos que delineiam um trabalho singular entre a figura e a abstração. Marcio, operário da gravura, desconhece a destruição do ofício pela produção capitalista. Todas as fases do seu ofício ele domina, concebe e executa; Marcio criador, paulistano da cidade-bairro de Santo Amaro, tira do cotidiano memória e matéria-prima para os gestos e intenções simultâneos que produzem poemas gravados pelas mãos de um malabarista. Goya, Dürer e Rembrandt são testemunho de antiga perícia na arte ocidental no campo da gravura. O expressionismo alemão também nele deixou sua marca. Marcio entrega-se com paixão a um tipo de manifestação no qual tem ilustres antecessores e contemporâneos e o faz relatando momentos únicos e irreversíveis de um jovem e arrojado inconsciente ancestral. Entre nós a gravura já registrou parte importante de nossa história. Lasar Segall, Goeldi e Lívio Abramo já são parte dessa história e da história da gravura. É a marca do talento nessa arte da obra gravada que traz Marcio Périgo, que constrói por inteiro e, literalmente, com as próprias mãos, esse mundo original que representa o sonho sobre os elementos que se apresentam. Evandro Jardim deve sentir a alegria do mestre que vê o antigo discípulo que alçou vôo numa direção talvez possível de suspeitar, mas que, melhor que realidade concreta, é agora realidade em processo de concretização contínua, como é próprio da arte".
Fernando Prestes Motta - São Paulo, setembro 1989.
SALÃO NACIONAL DE ARTES PLÁSTICAS (11. : 1989 : Rio de Janeiro), TELES, Leila Cristina (coord. ). 11º Salão Nacional de Artes Plásticas. Rio de Janeiro: Funarte, 1989.
"Em Márcio Périgo, também pesquisadíssimo, o metal abre-se em leque, estendendo-se da paisagem, ou de sua reminiscência sígnica, com passagem pelas coisas próximas, este bule, à abstração, tal jogo de formas, luzes, texturas. Muito embora possam ser seqüenciadas no tempo, essas gravuras evidenciam em conjunto a prevalência do procedimento: técnicas diretas, como o buril e a ponta-seca, ou indiretas, como a água-forte e a água-tinta, podem combinar-se, gerando tatilidade. Há, na suficiência do procedimental, a prevalência da técnica: em Márcio Périgo, o que se grava, e não exclusivamente o tema, dá-se como causa ocasional da gravura, exibida como destreza, direção nas artes gráficas que remonta ao abstracionismo e, além, ao sentido emprestado à composição por Lívio Abramo. Márcio Périgo instrumentaliza as coisas figuradas na demonstração do repertório dos procedimentos técnicos da gravura".
Leon Kossovitch e Mayra Laudanna
KOSSOVITCH, Leon e LAUDANNA, Mayra. Técnica e Procedimento. In: Gravura: arte brasileira do século XX. São Paulo: Itaú Cultural: Cosac & Naify, 2000. p. 25.