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A medida (im)perfeita

Setembro

2025

"A medida (im)perfeita"

HELENA FREDDI


Exposição individual

Curadoria de Ana Carla Soler

Abertura I 20 de setembro de 2025 I sábado I 13-17h

Exposição I 23 de setembro a 08 de novembro de 2025



A Galeria Gravura Brasileira apresenta a exposição “A medida (im)perfeita”, individual da artista visual Helena Freddi com curadoria de Ana Carla Soler. A mostra reúne um conjunto de gravuras produzidas ao longo de mais de uma década, que são revisitadas e reanalisadas, e apresenta também obras inéditas fruto desse processo de reelaboração dos trabalhos antigos. As impressões têm foco na representação do corpo feminino na ciência e na história da arte ocidental. 

Partindo de releituras críticas de imagens icônicas, como as figuras de Eva representadas por Dürer e Rembrandt, a artista constrói composições que entrelaçam questões históricas com afetos cotidianos, memórias familiares e heranças matriarcais. As séries Eva, Espelhamentos, As medidas dos seres e A medida (im)perfeita, obra que empresta o título para a exposição, propõem reflexões sobre os padrões de beleza, os dispositivos de controle dos corpos e os modos como a imagem do feminino foi moldada cultural e simbolicamente.

Com domínio de técnicas como ponta seca, chine collé, mokulito, monotipia e impressões de matrizes efêmeras, Helena Freddi explora camadas gráficas que evidenciam a instabilidade das formas e dos sentidos e longe de tentar propor modelos ou padrões, a artista busca ser um prisma que age na refração da história única. O uso recorrente de imagens em pares, espelhadas ou sobrepostas, reforça a noção de multiplicidade e a recusa de um modelo único ou universal de corpo. Em algumas obras, o corpo aparece fragmentado por grades e estruturas geométricas; em outras, emerge em gestos íntimos e relações de afeto entre mulheres.




SOBRE A ARTISTA

Helena Freddi (São Paulo, 1958) é artista visual, pesquisadora e professora universitária. Licenciada em Educação Artística pela Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), pós-graduada em Artes Visuais pela UNESP e doutora em Poéticas Visuais pela ECA-USP. Em 1995/96, viveu em Milão, onde desenvolveu pesquisas gráfico-poéticas no Atelier Quattordici, com o qual colabora até hoje. Atua desde 1999 no ensino superior, com foco nas técnicas e poéticas da gravura. Paralelamente ministra cursos de média e longa duração sobre gravura e livros de artista em equipamentos públicos e privados como SESC São Paulo, museu Lasar Segall, CCAL entre outros. Realiza acompanhamento técnico e poético para artistas no HF Atelier de Gravura em Curitiba. Como artista participa de exposições no Brasil e exterior.




SOBRE A CURADORA

Ana Carla Soler é curadora e pesquisadora. Bolsista CNPq no mestrado em História da Arte e graduada em História da Arte pela UERJ e em Relações Públicas pela Cásper Líbero, é pós-graduada em Direção e Gestão de Marketing pela Universidade de Barcelona e especialista em Marketing Digital pela ESPM. Desenvolve pesquisas sobre a presença das mulheres no ensino e sistema da arte. Já realizou curadorias em instituições como Museu do Amanhã, MAR, MAMAM, SESC, Casa Fiat de Cultura e Centro MariAntônia (USP). É co-criadora do projeto digital Elas Estão Aqui, curadora no coletivo Artistas Latinas e integra o coletivo MOTIM – Mito, rito e cartografias feministas nas artes.





A medida (im)perfeita

Exposição individual de Helena Freddi


O recorte da pesquisa de Helena Freddi apresentado nesta exposição reúne indagações e provocações gráficas acerca das representações do corpo feminino, fruto de décadas de investigação sobre a linguagem da gravura. Para introduzir esse percurso, podemos estruturar o repertório como um prisma de dispersão: assim como um feixe de luz branca se abre em várias cores ao atravessar o prisma, as obras da artista projetam a imagem da mulher sob diferentes ângulos, revelando e multiplicando narrativas da história na arte ocidental. A dispersão e multiplicidade servem como chaves para compreender o conjunto apresentado na Galeria Gravura Brasileira.

Partindo de referências canônicas, como as gravuras Adão e Eva de Rembrandt e das propostas de tipologias para corpos de Albrecht Dürer nos Livros sobre a Proporção Humana (1528), Helena constrói um vocabulário visual que tensiona os ideais impostos e negocia regimes de visualidade e representação historicamente específicos. Entre os trabalhos expostos, destaca-se a série “Eva”, que revisita a iconografia da “primeira mulher”. Nela, a Eva deixa de ser personagem mítica e se afirma como presença crítica, com uma silhueta “real” em contraste com estruturas que denunciam a fabricação de um padrão estético e moral. Nesse movimento, a artista se apropria do recurso de reprodução para, na repetição, desnaturalizar a ideia de modelos universais do feminino, propondo figuras fragmentadas, laterais e múltiplas.

Um dos núcleos centrais da pesquisa se organiza em torno da noção de medida dos corpos, assunto amplamente explorado por pensadores europeus nos séculos XV e XVI. Da busca de Leonardo da Vinci pela “medida perfeita” no Homem Vitruviano (c. 1490), passando pelos tratados de Dürer sobre as tipologias dos corpos, a história da arte tentou traduzir a beleza em cálculos e proporções. Nos Livros sobre a Proporção Humana (1528), Dürer fragmenta a anatomia humana em diagramas matemáticos, em busca da harmonia da forma para diferentes contextos, como crianças e adultos, homens e mulheres, gordos e magros. Helena Freddi contracena com esses referenciais nas séries “Medida (im)perfeita” e “A medida dos seres”, quando evidencia as implicações simbólicas e sociais de reduzir a fisionomia a proporções idealizadas. As impressões apresentam uma mulher entre grades, enquadramentos e estruturas de padronização. A “medida ideal” é reconfigurada por apagamentos, repetições e justaposições que dissolvem a unicidade da forma.

Em “A medida (im)perfeita”, Freddi desconstrói diretamente as imagens de Dürer que postulavam proporções ideais para a mulher. Nos trabalhos, riscos, traços e marcas se sobrepõem aos corpos gravados por Dürer e vemos surgir os contornos de vulvas. Esse gesto se radicaliza na série “As medidas dos seres”, em que rostos comprimidos por grades e manchas surgem em tensão com gravuras clássicas apagadas por camadas de cor e inscrições viscerais.

Há um outro campo de investigação que permeia os trabalhos e que declara o afeto como parte constitutiva dos processos de superação da pressão estética e social. A artista provoca o deslocamento do feminino de objeto passivo para presença que agencia e resiste à fixação. As relações entre desejo e encontro são desenvolvidas em “Amor Maduro”, gravuras criadas a partir da colaboração com a poeta Nina Rizzi para o livro Caderno-goiabada. São cenas íntimas entre mãos que se procuram e mulheres que se acolhem. As técnicas de mokulito e monotipia emprestam fluidez, textura e calor aos gestos de aproximação, compondo imagens que celebram  a sutileza.

Nas mais recentes obras produzidas, encontramos a imagem de personagens olhando para algo que não podemos alcançar no cenário visível. As protagonistas se ambientam em um local imaginário, que não respeita as regras tradicionais da arquitetura com chão, teto e paredes. Em cada uma das gravuras está representada uma mulher, ora adulta, ora criança. Elas estão sentadas em uma poltrona e parecem olhar para algo que não podemos vislumbrar na composição da marca gráfica.  De alguma maneira, parecem compartilhar um olhar que conecta presente e futuro e se prolonga de um papel ao outro, criando continuidade entre as imagens.

A mostra “A medida (im)perfeita” evidencia o respeito e o método de Helena Freddi na exploração documental do exercício de deslocamento da figura feminina como objeto da representação. O conjunto aponta para um movimento de desfazer e refazer imagens, que a artista executa com maestria e rigor técnico. E, entre mito e medida, Helena inscreve o corpo como presença insubmissa, que resiste à captura e afirma sua multiplicidade.


Ana Carla Soler

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