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Lena Bergstein

Julho

2025

05 de julho a 23 de agosto

LENA BERGSTEIN

gravuras e pinturas





Ut pictura poesis.” [“Assim como a pintura, a poesia.”]

Horácio, Arte poética

“A poesia e o desenho são irmã e irmão, como você sabe, assim como as palavras e as cores.”

Orhan Pamuk, Meu nome é vermelho


Galáxias

No céu, o firmamento: rutilam palavras, figuras, riscos e rabiscos transmutados em matéria cósmica, poeira luminescente, que brilhantes volteiam etéreas na noite ultramarina. No céu, a presença da passagem dos tempos, onde muitos buscam a origem da potência da Obra.

Adentrando no lusco-fusco anilado saltam poeira e matéria cósmica, modificados num vocabulário de frases, geometrias e inúmeros fragmentos gráficos desenhados na superfície das telas.

A lógica da Obra está no enigma destas passagens: paisagem sem horizonte, ausente de perspectiva, superfície vibrante. Aqui temos distintos elementos sinalizadores de sentido. Lena nos oferece páramos, lugares, caminhos, atalhos, evocando no percurso visual seus escritores preferidos, como Giorgio Agamben, o poeta Mahmud Darwich, Osip Mandelstam e outros, cujas vozes se conectam em suas contradições. Desta forma, seus desenhos, suas colagens, sua pintura e sua escrita, como escolhas técnicas, tecem sua linguagem de artista, conjugada em um pensamento plástico que explora a manifestação poética única e pessoal de sua visão do mundo.

A partir de uma prática artística elaborada e de uma linguagem repleta de sensibilidade, vemos em seus trabalhos “interações de sistemas múltiplos, sistemas de trocas”, segundo Lena, onde cada signo, cada sinal gráfico, objetiva novas significações e assim reescreve a origem, o tempo e o cosmo azul em outros parâmetros de significados. Cabe a nós interpretar os sentidos de sua arte.

O uso da escrita na forma caligráfica com suas aparições fantasmáticas e outros signos repercutem como uma voz constante que celebra a intertextualidade das linguagens.



Palimpsestos

As gravuras apresentadas oferecem palimpsestos, similares aos antigos pergaminhos, onde a matéria metálica é dilacerada pela oxidação. As folhas de ouro e tinta mineral fundem-se e, na aleatoriedade, originam na superfície do papel marcas, registros, palavras avulsas, ferimentos, grafismos; com a pigmentação verdejante, ganham vida poética.

Estamos diante de um processo alquímico de mutações gráficas, de uma experiência química cara aos processos de gravação no metal. Aqui, não no cobre, por exemplo, mas no papel, fibras orgânicas sensíveis que transmutam o ouro e outros elementos num inusitado processo de destruição e de construção no pensamento gráfico.

Rasgam-se as bordas do papel, fragmentam-se suas partes: eis a gravura em uma nova forma.



Feres Lourenço Khoury

Professor Livre-Docente – FAUUSP

Artista plástico

No dia 5 de julho abro a exposição "Lena Bergstein" com pinturas e gravuras recentes.

Galáxias é o nome da série de 12 telas que serão apresentadas na exposição.
As telas expostas são todas pintadas em tinta acrílica com algumas intervenções de oxidações e são como um firmamento que olhamos à noite com estrelas que resplandecem e brilham, circundadas de uma densa escuridão.          
Essas telas possuem uma grande interação organizando-se em sistemas múltiplos e sistemas de trocas em uma intersecção de estrelas e de poeira estelar como um catálogo de objetos difusos.

Nas gravuras trabalho com oxidações em folhas de ouro e cobre.  O processo das oxidações é aleatório. Acontece e surge sem previsão e sem projeto. A oxidação desfaz as folhas de metal, rasga suas bordas e se fragmenta deixando na superfície do papel um quase nada trabalhado. Ao se repetir o processo, as cores e marcas vão se sobrepondo e se somando, adensando os traços, os grafismos e a pigmentação com seus esverdeados, dourados e amarronzados.
Os trabalhos expostos são como páginas onde a escrita se mostra na sua conjugação com o desenho trazendo até nós a memória de um tempo de origem, quando desenho e escrita eram uma só coisa.
São escritas, riscos, rabiscos, traços e pequenas figuras geométricas, enfatizando sempre o caráter gráfico do trabalho, na superposição de pintura/desenho e escrita.

texto da artista
Lena Bergstein
junho 2025



"Contos Africanos"

texto da artista


Sempre trabalhei na simultaneidade da pintura e da escrita, da arte e da literatura, da arte e da poesia, explorando os diálogos e as relações que podem se estabelecer dentro e a partir de uma obra.

Nos últimos quatro anos tenho trabalhado com livros, livros pintados e escritos, escritos com fragmentos de textos, relatos, citações, referências, sempre algo que a priori já se inscreveu poeticamente nos meus sentimentos e na minha emoção.

Um modo também de ampliar meu campo de trabalho, provocando diálogos, rasurando as fronteiras entre as artes, transitando entre os saberes. Não mais um campo único e específico mas uma prática aberta.


Em 2005, inaugura-se no Paço Imperial do Rio de Janeiro uma exposição intitulada “A Imagem do Som de Dorival Caymmi”. Oitenta composições de Dorival Caymmi são interpretadas por oitenta artistas brasileiros contemporâneos. Dorival Caymmi grande compositor brasileiro, é internacionalmente conhecido por seus temas sobre o mar, os pescadores, os mitos do universo da Bahia e da África.


Esta exposição foi a sexta mostra de um projeto que a cada ano levava ao Paço Imperial, uma série de artistas que com seus trabalhos homenageavam as músicas de um compositor brasileiro. Todo ano um novo compositor era escolhido e suas músicas eram sorteadas entre os artistas.

Fui convidada para participar da exposição em homenagem a Caymmi.

Contos Africanos, painel com 20 telas de pintura, é criado para esta mostra.



Contos Africanos

Um conto de muitos contos e de um canto.

Uma mulher embala uma criança com uma cantiga de ninar, embala-a suavemente, e enquanto canta lhe vem palavras de uma outra língua, junto com o embalo de um outro mar.

Guenem, guenen.

Peixe é esse meu filho? É mutum-manguenem

É a coca do mato, guenem, guenem,

Suê filho- suê, ê...

Contos do Reino de Kossô, Nigéria, palavras ibos, iorubas, contadores de histórias, terra de minas de cobre.

Me embalo nesses contos, e começo a trabalhar as telas como folhas, folhas de um livro de contos, livro de relatos, de histórias com cheiro adocicado de especiarias,  gosto apimentado de mutum manguenem.

Nas telas vou trabalhando com levíssimas folhas de cobre, que pouco a pouco vão se diluindo e se transformando em cor. Cores vão surgindo, vão se somando,  superpondo-se a outros relatos, relatos superpondo-se a outras cores,

se entrelaçando, mais contos e mais cores, em muitas pequenas folhas.

As narrações sucessivas se articulam numa lenta superposição de camadas finas e translúcidas. Se misturam. Imprevisível trabalho, aleatório, cheio de surpresas, experiência de um trabalho manual que vai tecendo os contos e as cores numa rede de experiências próprias e de experiências alheias. Rede de relatos que vem de longe mais relatos daquele que conhece suas histórias e tradições.

As sinhaninhas nas telas/folhas nos trazem os embalos “desse Índico interior”, “dessa fronteira líquida entre dois mares”, como diz a poetisa Ana Mafalda. E como escreve Rui Knopfli: “Trago no sangue uma amplidão de coordenadas geográficas e de mar Indico”.

Cor do cobre das minas, cor azul-esverdeado desse Índico sensual, oceano das partidas, oceano das chegadas e das trocas, oceano dos contos do oriente que a cada madrugada se interrompem para logo recomeçar a cada noite.

Retomo o conto, prestando atenção ao canto.

peixe é esse meu filho?

É mutum manguenem, suê,

È a coca do mato, guenem, guenem,

Suê filho, suê, êeee.

Walter Benjamin nos diz que a arte dos relatos, arte das narrações, não nos deve dar explicações nem informações, deve ser aberta, surpreender, espantar, deixar um espaço livre para reflexão, disponível para uma continuação da arte/vida que cada leitura presente/futura renova e refaz.

Escreve Benjamim, “nada do que um dia aconteceu pode ser considerado perdido. Sempre haverá relatos para contar pois os acontecimentos lembrados são sem limite, abissais e infinitos. Conservam sua força narrativa como sementes de trigo que mesmo guardadas por muitos e muitos anos preservam inteiras suas forças germinativas. E Mia Couto completa: “sementes a engravidar o tempo”.

Trabalhei as costuras, os alinhavos, as sinhaninhas como uma escrita silenciosa que portava um imenso “ legado de palavras” silencioso. (R. Knopfli)

Mas José Craveirinha diz : “nada será mais um som inútil de encontro ao silêncio”.

Escrevendo sobre Rui Knopfli o escritor brasileiro Silviano Santiago declara: “O amálgama da fala portuguesa, brasileira, angolana, moçambicana,etc., se expressa por um corpus literário disparatado, à espreita e à espera de obras que acomodassem tudo e todos”.

Devemos“cultivar o sonho dos viventes que se acostumaram ao chão”.(Mia Couto).

Em o “Escriba Acocorado” Knopfli escreve, “legado de palavras, pátria é só a língua em que me digo” e “Rosas não me dizem nada_ caso-me mais às agruras das micaias”.

E então Luís Carlos Patraquim :

“Mihipito: mais verdadeira que a realidade, porque inventada pela realidade do sonho.”

peixe é esse meu filho?

È mutum-manguenem, guenem, guenem,

È a coca do mato, suê filho, sûe, êeeeeeee.


Lena Bergstein

Rio de Janeiro, abril de 2011.

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