top of page
Marcello Grassmann

São Simão

1925

SOBRE

"Eu acho que foi muito importante o meu trabalho como ilustrador. Primeiro pela imposição do texto, não era o que eu queria, mas o que me era dado. E, é duro você pegar escritores maravilhosos, mas que, na hora que vai traduzir isso em ilustração, não lhe dá nada. Um Drummond, eu fico suando em cima do texto dele, lendo, relendo, lendo, relendo, é poético, é uma coisa que acaba ali. Você vai acrescentar o quê? É quase impossível. Alguns escritores são ótimos de ilustrar, são cheios de imagens, não importa que sejam as mesmas que a gente projeta, pelo menos eles sugerem muita coisa. (...)


Eu sinto a litografia como um suporte relativamente pobre porque não aceita um repensar, é um material que sofre de cansaço. Uma gravura elaborada em metal pode se tornar brilhante parecendo ser executada direto e uma litografia muito elaborada fica cansada. A cozinha da gravura em metal é muito complicada e é muito mais fascinante do que a cozinha da litografia. (...)


O acidente é parte do processo criativo. Ao pegar um lápis para desenhar num papel, o papel, mesmo que tivesse um controle de fabricação, estaria sujeito a umidades diferentes e haveria variações. O acidente na obra de arte é a maior parte e a tua cabeça é que vai controlar o resto. (...)


Normalmente eu me coloco diante de uma chapa com vontade de fazer uma determinada idéia, a idéia pode preexistir já, como uma forma muito grosseira daquilo que virá a ser, mas ela vai sofrer toda uma metamorfose da linguagem, a linguagem do metal, ou mesmo, da litografia. Cada uma dessas linguagens, mesmo que parta de uma imagem já muito estudada, até ganha todo um outro conteúdo num momento em que ela se transfere de uma linguagem gráfica para outra. Mesmo uma vez gravada, a chapa também sofre, é brutalizada, é um vai-e-vem. Ás vezes, eu parto para outras coisas dentro daquilo que já estava pronto, acabo voltando ao ponto de partida, isso é que é fascinante. Eu diria mesmo, que esse é o fascínio da gravura em metal. Eu sempre achei que o grande momento da criação da gravura em metal é aquele em que você diz: 'Essa chapa está perdida!'. Porque daí você diz: 'O que é que eu posso fazer?' É alguma coisa como um desafio. É evidente que se você pegar uma placa virgem é muito mais simples reelaborar tudo, mas já seria uma outra abordagem. O desafio, exatamente, não é recuperar uma chapa, mas como fazer um insucesso se tornar uma obra de arte. [...]

Quando me perguntam por que eu me fixo mais em certo período do que em outro, é muito curioso, porque, embora formalmente a Renascença tenha me dado muito mais que a Idade Média, a Idade Média era mais carregada de coisas interiores, a meu ver, do que a Renascença, que já começava com uma preocupação formalista, de estilo, maneira, de como encarar as coisas, mais do que quais as coisas a serem encaradas. Os flamengos adoravam fazer o inferno, porque no inferno havia a proposta de milhões de fantasias. Bosch, por exemplo, parte para toda aquela loucura de figuras dentro de armaduras, meio peixe, meio gente, meio cômico e, no fundo, eu sofri influências importantíssimas dele. O mundo de Bosch é cheio de diabolismos, de fantasias, de coisas que não são de todo mundo. Já a China me deu duas coisas: um dragão e alguns diabinhos. Os etruscos me deram pouca coisa, os egípcios me deram muito mais, com suas zoomorfias religiosas".


Marcelo Grassmann à Equipe da Pinacoteca do Estado de São Paulo
GRASSMANN, Marcelo. Trechos da entrevista de Marcelo Grassmann à equipe da pinacoteca do estado em 22. 08. 84. In: ___. Marcelo Grassmann: 40 anos de gravura. São Paulo: Pinacoteca do Estado, 1984. p. 19-21

Marcello Grassmann
SOBRE
OBRAS
OBRAS
EDU, CV, EXTRAS
Bio

Marcello Grassmann nasce em São Simão, no estado de São Paulo no ano de 1925. Sétimo filho dos nove que a professora D. Elpídia de Lima Brito teve com seu marido Otto Grassmann. A família permanece na cidade até 1932 quando se muda para a capital, São Paulo. Chegando em janeiro, acompanharam toda a movimentação da Revolução Constitucionalista até mesmo os bombardeios ao Campo de Marte, fundos da casa da família na rua Voluntários da Pátria, Zona Norte da cidade.

Permaneceram em Santana até a transferência de D. Elpídia para Vila Clementino entre 1934 e 35. Marcello neste período dividia a escola com as revistas em quadrinhos e olhava do alto o fim da rua para o vale por onde passava o bonde Santo Amaro, com o matagal ladeando a passagem.

Nessa ocasião já reconhecia quase todos os desenhistas das histórias em quadrinhos publicadas na época. Marcello diz que sua obsessão não era tanto pelas histórias, mas pelos vários estilos em que os desenhos eram feitos: ​“Ainda em São Simão ficávamos fascinados pelas imagens e histórias do Tesouro da Juventude. Então apareceram os suplementos infantis, algumas tentativas nacionais de desenhos tipo Tico-Tico que eram historietas baseadas em protótipos europeus e americanos, porém com uma temática nacional, e nesta salada de estilos e figuras imaginativas a criança que fui ficava fascinada pela movimentaçã​o das imagens”.

Uma transferência de D. Elpídia levou a família para um novo endereço, rua Cônego Eugênio Leite, zona oeste da cidade, a dois quarteirões do Cemitério São Paulo no ano de 1938. Os caminhos do menino passavam por onde ficavam as oficinas dos escultores de túmulos e mesmo dentro do cemitério onde uma miscelânea de esculturas desde Victor Brecheret até os acadêmicos mais chatos foram parte da sua formação. A mãe, professora, conhecia o diretor do Instituto Profissional Masculino onde havia os cursos de orientação profissional para jovens que tivessem acabado o primário e começassem a procura de uma carreira ou aprendizado, técnico ou artístico. Como não havia um curso de escultura propriamente dito Marcello opta pelo entalhe que na época lhe pareceu mais próximo. Furtivamente frequentava as aulas de pintura e escultura. Deste período ficaram os amigos Octavio Araújo e Luís Sacilotto.

Terminado o Instituto, formado e desempregado. O desencontro entre o ensino e a realidade da profissão de entalhador deixaram Marcello com uma nova procura, a expressão artística conjuntamente com a ampliação de interesses. De 1939 a 1942 duas exposições marcam os jovens egressos do Instituto Profissional Masculino: artistas franceses impressionistas, modernos, contemporâneos e românticos, na segunda a pintura abstrata. Nesta altura os jovens já tem contato pessoal com artistas do modernismo brasileiro: Bonadei e Flávio de Carvalho. A década de quarenta avança trazendo a primeira exposição no Rio de Janeiro, em 1949 muda-se para esta cidade onde frequenta as aulas de Henrique Oswald. Em uma individual sua conhece pessoalmente Oswaldo Goeldi de quem admirava o trabalho desde os tempos do Instituto, via suas ilustrações para o Suplemento Literário do jornal A manhã do Rio de Janeiro.

1951 chega, os jovens Marcello, Aldemir (Martins) e Franz (Franz Krajcberg) trabalham como operários na montagem da primeira Bienal de São Paulo participando também com suas obras, a Marcello é dedicado o prêmio aquisição. Finda a Bienal segue para a Bahia com Mario Cravo que conhecera no evento, esperando por eles algo como vinte pedras litográficas, presente ao artista baiano de Cicillo Matarazzo. Conhecedor dos rudimentos desta arte, aprendida com Poty em 49 no Liceu do Rio de Janeiro, mesmo sem prensa as pedras são usadas e impressas com colher, como xilogravuras.

1954 quando finalmente chega o dinheiro da bolsa, ganha em 1952 no Salão Nacional, segue para o velho continente. Quarenta litografias, dois cadernos e dois anos depois volta ao Brasil. Mora em Santo Amaro, próximo ao Cemitério Campo Grande. Lá Marcello desenvolve a maior parte de sua obra de desenhista e gravador. Forma dois irmãos impressores, Otto (falecido) e Roberto. Participa de outras Bienais nacionais e internacionais, expõe também dentro e fora do país. Em 1979 é inaugurada a Casa de Cultura Marcello Grassmann onde moravam seus avós em São Simão. Muda-se para sua chácara na grande São Paulo em meados dos anos oitenta. Várias são as exposições, individuais e coletivas neste período. Reconhecido como mais proeminente gravador e desenhista nacional corre o mundo com seus trabalhos.

Na Pinacoteca do Estado de São Paulo está maior conjunto de suas gravuras compradas em 1969 pelo governador Abreu Sodré. Destacam-se as exposições em comemoração aos 25 anos dede gravura no MAM\ SP (1969), 40 anos de gravura, Pinacoteca do Estado de São Paulo (1984). O mundo Mágico de Marcello Grassmann em comemoração aos seus 70 anos, MASP \ SP (1995). Marcello Grassmann, desenhos. Instituto Moreira Salles, SP\RJ\MG (2006). Sombras e sortilégios, MON \ Curitiba, PR (2010). Segue trabalhando até sua morte em junho de 2013.

INFORMAÇÕES

Críticas


"Marcelo Grassmann encontrou, desde cedo, no desenho e na gravura os meios de linguagem capazes de melhor defini-lo, descobrindo também, de início, nos limites do expressionismo alemão a fonte familiar de sua própria maneira de ver e refletir o mundo. Ao longo da evolução de sua obra, que se inclui hoje entre as mais proeminentes no panorama brasileiro, pode-se observar a superação progressiva da influência inicial expressionista por um ingresso caloroso na área do fantástico, mergulhado em afinidades que vão de Bosch e Brueghel até, no nosso século, o austríaco Alfred Kubin.

Surgimento de certa atmosfera de medievalismo lírico ou de fantasia renascentista em cavaleiros, damas e donzelas prontos para a guerra, o espanto, o silêncio e o amor.

Com o abandono das referências mais dramáticas de antes, embora mantendo sempre a nervosa agilidade do traço e das incisões, a obra de Grassmann foi pouco a pouco se povoando de novas figuras tensamente tranqüilizadas na mescla de contrastes entre o claro e o escuro, entre a luz e a treva, entre o bem e o mal, entre a trégua e o combate".


Roberto Pontual
PONTUAL, Roberto. Marcelo Grassmann. In: GRASSMANN, Marcelo. O mundo mágico de Marcelo Grassmann: 70 anos. São Paulo: Galeria Arte Aplicada, 1995. p. 48.



"O fascínio de Grassmann nasce, na verdade, de diversas qualidades. Por exemplo, de seu inconfundível universo iconográfico, sempre associado à Idade Média: guerreiros, cavaleiros, montarias, flâmulas e elmos; damas indiciosas de doçura, provavelmente só aparente, que se associam a duendes ou monstrinhos; e um extenso bestiário imaginário, que em outras épocas chegou a ser assustador. Pode-se tentar explicar esse universo de Grassmann como uma espécie de memória inconsciente ou atavismo de um descendente de alemães. Mas essa explicação, além de meio artificiosa, é desnecessária. O que de fato importa é que Grassmann pertence  a uma família espiritual de artistas que sempre existiram em diversos momentos da história e sempre deram expressão ao 'lado escuro' e misterioso da alma humana.

E, na verdade, esse lado e essa iconografia estão até em alta nos dias atuais. A crise do homem contemporâneo, sua angústia e incerteza, se projeta e se reconhece nessas brumas indecisas".


Olívio Tavares de Araújo
ARAÚJO, Olívio Tavares. Marcelo Grassmann. In: GRASSMANN, Marcelo. Marcelo Grassmann. Curitiba: Museu Alfredo Andersen, 1999. [Texto originalmente publicado na revista IstoÉ, 18 set. 1995, p.51].

Acervos

Obras em instituições culturais/acervos públicos oficiais:

Biblioteca Municipal Mário de Andrade, São Paulo; Biblioteca Nacional, Paris/França; Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro/RJ; Fundação Castro Maya (Museu Chácara do Céu e Museu do Açude), Rio de Janeiro/RJ; Instituto de Estudos Brasileiros/Coleção Mário de Andrade, Universidade de São Paulo (IEB-USP), São Paulo; Instituto Itamaraty, Brasília/DF; Instituto Moreira Salles (IMS), Poços de Caldas/MG; Museu de Arte Contemporânea (MACC), Campinas/SP; Museu de Arte Contemporânea (MAC-USP), São Paulo; Museu de Arte de Santa Catarina, Florianópolis/SC; Museu de Arte (MASP), São Paulo; Museu de Arte Moderna de Nova York, Nova York/EUA; Museu de Arte Moderna (MAM), São Paulo; Museu de Arte Moderna (MAM), Rio de Janeiro/RJ; Museu do Banco do Estado de São Paulo S/A (BANESPA), São Paulo; Museu Nacional de Belas Artes (MNBA), Rio de Janeiro/RJ; Museum of Fine Arts, Dallas/EUA; Museum of Rhode Island, Nova York/EUA; Pinacoteca do Estado, São Paulo; União Pan-Americana, Washington/EUA.

bottom of page